domingo, 7 de julho de 2019

Irrigação pode evitar o fim do ciclo do açaí como aconteceu há cem anos com a borracha da “Belle Époque”


Por: Benigna Soares*

O Pará é hoje, segundo dados do IBGE, o maior produtor de açaí do Brasil, respondendo por 98,3% da produção nacional. O ranking nacional dessa produção é de 20 municípios paraenses, sendo o primeiro deles Igarapé-Miri, com cerca de 305,6 mil toneladas produzidas ao ano, respondendo por 28,0% de toda a produção do Brasil, seguido por Cametá, Abaetetuba, Bujaru e Portel.

Entretanto, se manter na liderança desse mercado tem um alto custo, requer planejamento e acima de tudo visão empreendedora. Atentos a essa exigência de mercado, um grupo com mais de 30 produtores rurais uniu forças para criar a primeira Cooperativa de Plantadores de Açaí Irrigado de Terra Firme do Brasil, com objetivo, entre outros, de trabalhar de forma cooperada para suprir a demanda da falta de açaí na entressafra, quando o produto desaparece quase por completo.

A ideia dos produtores é estimular o plantio de mudas de açaí irrigado em terra firme, aumentar a produção e abastecer não só os vendedores e batedores artesanais, as fábricas e restaurantes locais, mas também, a cadeia de exportação e consumo em grande escala, esperando assim contribuir para o desenvolvimento sustentável e econômico do Pará que hoje se sustenta do açaí de várzea.

Mas, os produtores paraenses, as instituições de pesquisa e o próprio Governo do Estado, perceberam que o desafio é bem maior do que a simples necessidade de suprir as demandas de entressafra e assegurar o açaí nosso de cada dia na mesa dos paraenses e nos mercados consumidores externos. É preciso proteger o novo ouro da Amazônia e evitar que o “Ciclo do Açaí" seja quebrado como aconteceu há cerca de 100 anos, com o Ciclo da Borracha, cujo período áureo foi entre 1879 e 1912.

O empresário do ramo da gastronomia, Nazareno Alves, juntamente com o pai, Manoel Aires, mantém uma área de plantio com 50 hectares de açaí irrigado no município de Igarapé-Açu, onde tem outros plantadores desenvolvendo a mesma técnica. Ele lembra que o Pará ganha cada vez mais notoriedade através da gastronomia e o açaí é o ingrediente principal desse cardápio.

“O açaí atravessou as fronteiras mundiais. Poupas, sobremesas, sorvetes e até em pó ele assumiu um lugar de destaque na culinária sofisticada nacional e internacional. Está nos cosméticos, na indústria de energéticos, nas recomendações de tratamento de saúde. É o novo ouro da Amazônia”, garante o empreendedor que nasceu em uma aldeia indígena em Roraima e passou muitos desafios com a família até perceber que a floresta tinha o que precisava para sua sustentabilidade.

Nazareno afirma que, se os cerca de 30 produtores de açaí hoje resolveram plantar e irrigar as mudas em terra firme é porque perceberam que a história pode se repetir, afinal, uma outra história de fortunas e glórias com a riqueza que vem da floresta foi vivida no Pará e não teve um desfecho bom para a nossa economia.

O assunto foi tema de uma reunião, no último dia3, entre produtores paraenses com pesquisadores da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Embrapa Amazônia Oriental, Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e Federação do Comércio do Estado do Pará (Fecomércio), com intermediação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (SEDEME).

Durante o encontro foi lembrado o momento histórico, conhecido como “Ciclo da Borracha” ou “A Belle Époque”, que deixou à Amazônia e ao Pará um belíssimo tesouro em arquitetura de época, como o Theatro da Paz e o Palácio Antônio Lemos, em Belém, Fordlândia e Belterra, na região do Tapajós. Manaus ganhou o Teatro Amazonas e o Brasil um imensurável legado social, artístico, histórico e cultural. Nesse período, foi criado o Território Federal do Acre, atual Estado do Acre, uma área adquirida da Bolívia por 2 milhões de libras esterlinas, em 1903, dinheiro das seringueiras amazônicas.

Mas, riquezas à parte, o descuido governamental e empresarial com seu tesouro e a desatenção da época com a concorrência fez com que, ao subestimarem também as necessidades do homem e as exigências da natureza, perdessem o controle da cadeia produtiva do látex. O plantio das seringueiras exigia tecnologias. O trabalho humano necessitava sustentabilidade.

E enquanto a Amazônia era responsável, nessa época, por quase 40% de toda a exportação brasileira da borracha e o Brasil faturava com a venda do produto, pago em libra esterlina, as sementes das seringueiras foram levadas da Amazônia pela Inglaterra e plantadas na Malásia, Ceilão e África tropical, competindo com a borracha da Amazônia, que passou a ter um preço proibitivo no mercado mundial, e fechando as portas do mercando internacional para a exportação do produto.

Ainda assim, em meados de 1912, o governo despertou e concluiu a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, para escoar a produção. Um grande investimento foi feito também em Fordlândia, um “pedacinho dos Estados Unidos, na década de 1920 transplantado para o coração da floresta amazônica” pelo americano Henry Ford, empreendedor estadunidense fundador da Ford Motor Company, pioneiro na montagem em série de automóveis, cuja matéria prima principal, a borracha, era derivada do látex da borracha cultivada primeiramente em Fordlândia, cidade que planejou com essa finalidade e depois em Belterra, também planejada para abastecer com a borracha sua produção automobilística nos Estados Unidos.

Através da Ford Company, Henri Ford se tornou um dos homens mais ricos do mundo na década de 1930. Curioso que Ford era um defensor da paz adquirida através do dinheiro, tendo concebido a frase “o dinheiro é a coisa mais inútil do mundo. Não estou interessado nele, mas sim no que posso fazer pelo mundo com ele”.

Mas, apesar dos esforços do milionário patrocinador do Titanic, o novo ciclo passou para o domínio dos ingleses e Belém, Manaus, Porto Velho ficavam apenas na memória daqueles que agora se voltariam para a Malásia, como lembrou o representante da SEDEME, Lourival Ribeiro Júnior, que integra um grupo de trabalho voltado para identificar tecnologias e políticas públicas e privadas voltadas para melhorias na cadeia do açaí.

A união de esforços é imprescindível, pois neste novo século, quando tratamos do “Ciclo do Açaí", é justamente a Malásia que novamente ameaça os projetos dos empreendedores do açaí. Produtores, pesquisadores, gestores públicos, exportadores e outros da cadeia produtiva do açaí, garantem que o plantio avança naquele país, do sudeste asiático.

CICLO DO AÇAÍ - O Pará é o maior produtor de açaí do Brasil mas os estados do Amazonas, Maranhão, Acre, Amapá, Rondônia e Roraima também colhem e comercializam o fruto, hoje consumido na América do Norte, Europa e Ásia. O manejo do açaí, para suprir a falta na entressafra, começou com o aumento do consumo, na década de 1990 e a Embrapa já colocou no mercado a espécie BRS Pará e deve lançar este ano a BRS Pai D´Égua. Em 2020 lançará o material genético das sementes BRS Cabano, que tem como representante comercial a empresa Amazon Flora.

Em 2015 o Pará colheu mais de 1 milhão de toneladas de açaí em uma área extrativista e cultivada de 154.486 hectares, injetando com a venda dos frutos cerca de R$ 1,8 bilhão na economia em um ano e estima-se que pelo menos 300 mil toneladas sejam consumidas por ano na região metropolitana de Belém. Cerca de 250 mil pessoas são empregadas no Pará na cadeia produtiva do açaí, cuja safra vai de setembro a janeiro, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, divulgada em 2017 com dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará (Sedap) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Divulgada no final de setembro de 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) mostrou que de 2015 para 2016, a produção agrícola nacional de açaí aumentou de 1,0 milhão de toneladas para 1,1 milhão. Resultado da primeira investigação desse órgão sobre o açaí, o estudo apontou o Pará como o maior produtor, com 98,3% do total nacional. Os 20 maiores municípios produtores são paraenses, com destaque para Igarapé-Miri, o maior produtor mundial, com 305,6 mil toneladas, 28,0% da produção do país. Juntos, os cinco maiores municípios produtores (Igarapé-Miri, Cametá, Abaetetuba, Bujaru e Portel) representam 62,7% da produção do estado.

Foi essa promissora economia que atraiu o produtor Romeu Furlan Júnior, que nasceu e começou suas atividades profissionais em Bandeirantes, no Paraná. O engenheiro elétrico trabalhou em multinacionais da área de tecnologia celular no Rio de Janeiro, São Paulo e até nos Estados Unidos. Mas foi aqui no Pará, em 2006, que viu outras possibilidades de realização profissional, principalmente na área rural.

“Eu vi muitas possibilidades e me preparei para investir aqui”. Conta o empresário, que em 2016 decidiu vir morar aqui e adquiriu uma área na PA 140, na altura de Santa Isabel do Pará. As terras somam 36 hectares, a maioria dedicados ao cultivo do açaí.

Romeu, assim como os mais de 30 produtores que apostam no cultivo do açaí em terra firme, com tecnologia de irrigação, sabem que é um investimento de risco, mas acreditam que é o certo a ser feito, pois o açaí, assim como um dia foram a borracha, o café, a castanha do Pará, a pimenta do reino, o ouro e o cacau, é a nova fonte de riqueza que brota da floresta.

“Somos mais de 30 produtores de açaí irrigado de terra firme, produzindo em quase quatro mil hectares. Sentimos falta de incentivo, organização, informação e acesso a tecnologias e por isso resolvemos nos unir nessa cadeia produtiva do açaí para que o Pará continue com o título de maior produtor de açaí do Brasil. Um grande objetivo que temos com a criação dessa associação é podermos ajudar os pequenos, médios e os grandes produtores de açaí irrigado. Garantindo a eles acesso às informações da cultura, produção, adubação, espaçamento, variedade de semente, irrigação e mercado”. Afirma o empresário, que integrou, esta semana uma Missão Técnica à maior área de açaí irrigado plantada no Pará, no município de Óbidos.

A missão técnica em Óbidos, no oeste do Pará, aconteceu nos dias 4 e 5 deste mês e teve como objetivo a busca de experiências e tecnologias na maior área de plantio e beneficiamento do açaí nessa modalidade. Lá existe uma plantação de 1.500 hectares e uma indústria que está produzindo tanto o açaí congelado quanto o açaí em pó.

O empreendimento é de propriedade do empresário Luiz Vaccaro, hoje uma referência para o Pará no investimento em tecnologias, plantio, colheita e na exportação do açaí.

Integraram a comitiva o empresário Nazareno Alves, proprietário da marca de quatro restaurantes de Belém, a Point do Açaí, e consorciado da marca Açaí Paraense, de Abaetetuba, seu pai Manoel Aires, produtor em uma área de 50 hectares no município de Igarapé-Açú, João Paulo Nascimento, que tem 50 hectares em Capanema e Romeu Furlan, responsável por 36 hectares em Santa Isabel do Pará. Juntos todos os produtores respondem por cerca de 3.600 hectares de plantio.

A busca de novas experiências e os esforços para criar uma representação jurídica para o açaí irrigado é motivada principalmente, pelo déficit de 50 mil hectares de plantio e colheita de açaí hoje na entressafra, quando falta o açaí até na mesa do paraense. O açaí irrigado, segundo os produtores nessa modalidade, é a alternativa para resolver esse déficit.

MERCADOS
- Além do suco, poupa, óleo e caroços do açaí, usados na alimentação e produção de fitoterápicos, ração animal e adubo orgânico, o palmito, derivado da palmeira do açaizeiro, é muito consumido em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Vitória (ES).

Em 2015, o Pará exportou mais de 6 mil toneladas do mix de açaí (mistura da fruta com banana e guaraná) para os Estados Unidos e Japão, o equivalente a US$ 22,6 milhões. Hoje cerca de 90% das exportações de açaí são para os Estados Unidos e Japão e 10% estão indo para a Alemanha, Bélgica, Reino Unido, Angola, Austrália, Canadá, Chile, China, Cingapura, Emirados Árabes, França, Israel, Nova Zelândia, Peru, Porto Rico, Portugal e Taiwan, segundo indicadores da SEDAP – Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará (Sedap), que por meio de um recente convênio com a Empresa Brasileira de Desenvolvimento e Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vai investir, nos próximos quatro anos, mais R$ 600 mil em pesquisa, por meio do programa Pró-Açaí, como afirmou em recente simpósio sobre a cadeia do açaí irrigado, em Castanhal, Job Palheta Junior, técnico da Sedap.

É esse tipo de investimento que esperam os produtores possa fortalecer a cadeia produtiva do açaí irrigado de terra firme, e assegurar uma nova “belle époque”, a do “ciclo do “açaí”.
*Com informações da Agência IBGE de Notícias e Ministério da Agricultura